Minha netinha no berço
Faz ó ó, enquanto eu rezo
Nas baginhas do meu terço
As bênçãos todas que prezo.
Peço para o seu porvir
Risonhas manhãs em flor…
Que vá feliz…a sorrir…
Quando vier o amor.
Que a verdade seja o guia
Do seu caminhar incerto,
E o perdão, a cortesia,
Nunca se afastem de perto.
Que enfrente o mundo sem medo
E a vida serenamente,
Que o mal e o seu enredo
Cairão na sua frente.
Que tenha muito saber
E, sem mostrar o que sabe,
Seja modesta a dizer
E com brevidade acabe.
Que a pobreza a não fatigue,
Nem a riqueza a seduza,
Que a cobiça a não fustigue
E ao que tiver se reduza.
Que cultive as amizades
Mas nenhuma de eleição;
Que desgosto e ansiedades
Estão no fim duma afeição.
Que ame o mundo, a natureza,
O céu, o sol e o mar…
Saiba em tudo ver beleza
Que a Deus saberá falar.
Que o rosto tenha um sorriso
Sempre que olhe a seus pais;
Se o sorrir é paraíso
A gratidão muito mais.
Que as artes e o pensamento
Sejam o pão do seu ideal,
E mitigue o sofrimento
Que alanceia a seu igual.
Enquanto vela o teu ninho
Em que dormes descuidada,
Por ti treme o avôzinho
E tu inda não és nada.
Mas atendido o meu fim,
Se tu, amor ajudares,
Rezarás um dia assim
Quando a avózinha chegares.
Sebastião Leiria
Maio de 1971