A Objectiva Humorística do Autor

Outubro 26, 2021
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Outubro 26, 2021 Helena Leiria

A Objectiva Humorística do Autor

Esta obra de Sebastião Leiria, a quarta publicação do seu vasto espólio artístico, é a síntese de toda a prosa humorística, derramada durante cerca de trinta anos nos jornais do Algarve e também de Lisboa e que, fizeram as delícias dos seus leitores.

Foi um trabalho moroso e minucioso, essa recolha e selecção dos artigos a publicar.

Todo este afã, gostoso labor, traduz-se, sem dúvida, numa imensa mais valia para o meu ser.

Longas e inesquecíveis foram as horas, as noites em que o acompanhei nas suas deambulações pela nossa cidade, numa mescla de risos, gargalhadas, elações, sensações únicas!…

A cada trabalho mais me enriqueço, mais me conheço, conhecendo-o, como artista e como ser, sentindo uma profunda gratidão pelo progenitor que Deus me concedeu.

Para a sua concretização, também esta obra conta com o apoio da Câmara Municipal de Tavira, na pessoa do seu Presidente, Dr. Jorge Botelho, tendo a sua apresentação tido lugar num dos mais emblemáticos imóveis da cidade. 

A Igreja da Misericórdia de Tavira.

O evento ocorreu no dia 4 de Outubro de 2014, dia de S. Francisco de Assis, não ao acaso.

À Ordem de S. Francisco e Irmandade da Misericórdia, estão para sempre ligadas várias gerações da família Leiria.

Sebastião Leiria, seu pai João Francisco Leiria, seus tios Francisco Assis Leiria, José Joaquim Leiria, seu avô Manuel Leiria e bisavô José Leiria que aí trabalharam em restauro de altares em talha dourada e pintura, bem como compositores, músicos e intérpretes nas cerimónias religiosas da Semana Santa que culminavam na Igreja da Misericórdia.

Figura incontornável da malha artística e cultural tavirense e algarvia, falar de Sebastião Leira, é falar de amor, um ser imenso, imbuído de um amor intrínseco, amor ao belo, à arte, ao divino, à claridade, à paixão pela sua cidade, que tanto canta nas suas músicas e poemas, o casario, a monumental beleza e imponência dos seus templos, o rio…, Essa cidade encantada, donde nunca se apartou…eterna miragem, Veneza algarvia sobre as águas debruçada!… 

Um homem justo e recto, pluralista, um sonhador, puro de coração, um ser superdotado, de profundas convicções religiosas, grande sensibilidade e serenidade, extrema humildade, enorme inteligência e sabedoria, uma grande sinceridade e honestidade, um verdadeiro amigo dos seus amigos!…                  

De tudo quanto tivemos oportunidade de ler e conhecer, podemos em rigor afirmar que, neste Algarve, de lendas e moiras encantadas, que ele canta, não encontrámos, quem se compare a Sebastião Leiria, na sua heterogeneidade.

No livro «Colheita» publicado pela Câmara Municipal de Tavira em Janeiro de 2003, esboçamos a intensão de um dia poder voltar, apresentando a sua obra jornalística humorística, dispersa em vários jornais do Algarve e de Lisboa, se para tal, engenharia tivéssemos.

Ei-la hoje aqui, volvidos muitos mais anos do que seria desejável, face às vicissitudes vividas.

Notável é, sem dúvida, esta obra!…

Debruçando-nos, atentamente, sobre o período de articulista do autor, compreendido entre 1937/1972, ano da sua inesperada partida, apercebemo-nos, de que escreve, semanal e ininterruptamente para mais que um jornal, tocando, reflectindo, abordando, denunciando, satirizando, espicaçando, meditando os factos e os acontecimentos da sua cidade, da sociedade da época, do mundo.

Época conturbada, negra, compreendida entre o início da segunda guerra mundial, o pós guerra e, os anos que se seguiram de uma aparente paz titubeante, no enquadramento vivido a nível europeu e mundial. 

Como ele é exímio, na arquitectura das suas personagens, denunciando as situações e, simultaneamente, fazendo-nos rir do ridículo, rir de coisas sérias, situações dramáticas da vida das pessoas e dos povos, feridas pungentes, tal qual as que se vivem na actualidade!…

O recrear dos seus conterrâneos imaginários, nos seus problemas e aflições do dia a dia, «da carestia da vida», «da crise», a eterna crise!…

O Humor é, sem dúvida, o maior dom de Sebastião Leiria.

Um humor sadio, inteligente, espontâneo, criativo, subtil, mas contundente, denunciante, assertivo.

Um ser paradigmático.

Subjacentes, as situações estão lá, as denúncias, os escândalos, as chagas sociais, o sofrimento aceitado, em Portugal e no Mundo, de tal forma concebidas e expostas, que nos fazem rir, até às lágrimas.

Enfatizando-os, goza os problemas, as misérias, as carências, suas e dos outros, sensibilizando-se com os humildes, os indefesos, os desafortunados da sorte e da fortuna, e sabe bem o que está a dizer!. Vê e sente-o!…

Vale a pena referir alguns excertos de textos e frases, que além de um refinado humor, revela também, sempre, um ser de uma enorme sensibilidade, amor para com o seu semelhante…

As dificuldades das pessoas no acesso aos bens materiais, a falta de recursos no essencial da dignidade humana, os pobres, a precariedade e inexistência de meios, de trabalho, a miséria que soçobra, a doença, o enorme défice de valores!…

O oportunismo dos políticos, o poder do dinheiro, a chantagem, a corrupção, a maldade, a violência, a sujeira, a hipocrisia!

Nesta matéria, tudo é presente, com novos contornos, «nuances», inovações sofisticadas, tenebrosas, bem mais perigosas, e às claras.

A sua aguçada pena, roça, em toda a profundeza, todos os tipos da sociedade onde se encontra inserido, os de ontem, versus os de hoje, e todos os seus estereótipos.

Nada lhe escapa!

As suas Comédias e Revistas, tal como os seus artigos, estão imbuídas de muito humor, encanto, música e poesia!…

São, porém, igualmente críticas assertivas, «embrulhadas em papel de seda», de beleza, doçura, que fizeram as delícias dos espectadores.

Ao cair do pano, o público continua empolgado, como no primeiro instante em que o espectáculo começou, desejando que não termine.

Finalmente, não podemos deixar de dar especial relevância, à importância dada às tradições populares de Tavira e do Algarve, vertidas na sua escrita e na sua música, nessa tão indescritível forma de ser, amar e vivenciar, cada quadra, cada época, apaixonadamente!…  

Maria Helena Leria       

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